Estudo essencial para que se estabeleçam configurações corretas de carreiras no Serviço Público.
Este boletim especial visa a delinear algumas características diferenciadoras dos institutos da ascensão funcional, e da promoção. Ambos podem ser considerados como espécies do gênero desenvolvimento funcional. Para uma correta configuração de carreira há necessidade de observância conceitual rígida em relação a esses institutos, e , por isso mesmo, há imensa importância nesse estudo.
Fundamental, para isso, a leitura da ementa do acórdão da ADIn nº 231 ? ?leading case? sobre o assunto ? , de 5 de agosto de 1992, e de outros julgados de mesma orientação, no Supremo Tribunal Federal (STF):
? ADIn 231 - EMENTA: ? .. Ascensão ou acesso, transferência e aproveitamento no tocante a cargos ou empregos públicos. ? O critério do mérito aferível por concurso público .. é, .., indispensável para cargo ou emprego público isolado ou em carreira. Para o isolado, em qualquer hipótese para o em carreira, para o ingresso nela, que só se fará na classe inicial e pelo concurso público de provas ou de provas títulos, não o sendo, porém, para os cargos subseqüentes que nela se escalonam até o final dela, pois, para estes, a investidura se fará pela forma de provimento que é a "promoção".
Estão, pois, banidas das formas de investidura admitidas pela Constituição a ascensão e a transferência, que são formas de ingresso em carreira diversa daquela para a geral o servidor público ingressou por concurso, e que não são, por isso mesmo, ínsitas ao sistema de provimento em carreira, ao contrário do que sucede com a promoção, sem a qual obviamente não haverá carreira, mas, sim, uma sucessão ascendente de cargos isolados.?
Como visto, a diferença básica entre os dois institutos está relacionada ao fato de os cargos em questão pertencerem, ou não, à mesma carreira. Assim, a ascensão funcional (ou acesso) é a progressão funcional entre cargos de carreiras distintas. É atualmente considerada inconstitucional. Já a promoção é a passagem (desenvolvimento funcional) entre cargos da mesma carreira. É perfeitamente válida. Mais que isso, é requisito essencial de uma carreira verdadeira.
Considera-se, para efeitos desse estudo, carreira verdadeira: aquela que possui todos os requisitos formais e materiais (ontológicos, essenciais) próprios de sua natureza, tal como entendido na jurisprudência do STF.
Importante característica pode ser ressaltada, a partir do entendimento da ementa acima transcrita: em uma carreira verdadeira, o ingresso por concurso público só se faz na classe inicial. Em outras palavras, não há possibilidades de concursos públicos para cargos intermediários de carreira.
É o que diz expressamente, em termos muito claros, o eminente Ministro Octávio Gallotti, em seu voto nesse mesmo julgado (ADIn 231):
?Ora, o que temos agora em vista é a chamada ascensão funcional, que pressupõe, necessariamente, a existência de duas carreiras: a carreira de origem e aquela outra para a qual ascende o funcionário.
Uma carreira, no serviço público, pode ter cargos de atribuições diferentes, geralmente mais complexas, à medida que se aproximam as classes finais.
Nada impede, também, que a partir de certa classe da carreira, seja exigido, do candidato à promoção, um nível mais alto de escolaridade, um concurso interno, um novo título profissional, um treinamento especial ou o aproveitamento em algum curso, como acontece, por exemplo, com a carreira de diplomata.
O que não se compadece com a noção de carreira - bem o esclareceu o eminente Relator, ? é a possibilidade de ingresso direto num cargo intermediário.
Se há uma série auxiliar de classes e outra principal, sempre que exista a possibilidade do ingresso direto na principal não se pode considerar que se configure uma só carreira.?
De suas palavras, resulta a noção bastante evidente de que a existência de concursos públicos para cargos intermediários desvirtua a correta estruturação de uma carreira. Somente são consideradas carreiras verdadeiras aquelas cujos integrantes ingressam na classe inicial, através de um único concurso público, e têm a perspectiva de alcançar o topo da estrutura.
A Carreira de Auditoria da Receita Federal vive, então, um paradoxo, uma ?crise de identidade?: trata-se de uma carreira formal que apresenta a possibilidade de ingresso direto num cargo intermediário. Por isso mesmo, nessa configuração incorreta de carreira, a passagem do cargo de Técnico (TRF) para o cargo de Fiscal (AFRF) é considerada ?ascensão funcional?.
Ora, o paradoxo reside justamente no fato de não existirem, pelo menos formalmente, as carreiras de Técnico da Receita Federal e de Auditor-Fiscal da Receita Federal. E ?ascensão funcional?, lembre-se, pressupõe necessariamente a existência de carreiras distintas. Não há ascensão funcional no âmbito de uma mesma carreira.
Optou-se por manter a mesma estrutura de cargos, formada desde a criação da Carreira de Auditoria da Receita Federal, em 1985. Desde a origem, ambos os cargos sempre estiveram inseridos no mesmo grupo ocupacional (originalmente TAF ? Tributação, Arrecadação e Fiscalização). Suas atribuições sempre guardaram similaridades. Procurou-se manter a linha hierarquizada entre os cargos. Tudo leva a crer que o desejo da Administração era mesmo manter a unidade (pelo menos formal) da Carreira de Auditoria da Receita Federal.
O ingresso na Carreira de Auditoria da Receita Federal (ARF) deveria sempre ocorrer somente na sua classe inicial, que corresponde hoje à classe inicial do cargo de Técnico da Receita Federal. Em uma configuração correta de carreira, não poderia haver concursos públicos para cargo intermediário, uma vez que os cargos que a integram são de mesma natureza e compõem uma única carreira formal.
Através de uma Portaria (Portaria nº 2.779, de 25 de junho de 1992, da Secretaria de Administração Federal) ? texto em anexo ? emitida pelo Secretário-Adjunto Interino da Secretaria de Administração Federal, com base em decisão do Supremo Tribunal Federal, proferida na medida cautelar (o mérito dessa ADIn jamais foi apreciado) da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 722-0-DF, ?recomendou-se aos Dirigentes de Recursos Humanos dos Órgãos da Administração Federal direta, ... que se abstivessem de promover qualquer processo seletivo destinado a selecionar servidores com vistas à ascensão funcional?.
Importante notar que, no caso da ADIn 722-0-DF, tomada como base para a edição dessa Portaria, o objeto cuidava, conforme consta no relatório, ?em síntese, [de transformação de] cargos [que] não guardariam correlação com os cargos da carreira .. criada?. Assim, uma hipótese totalmente distinta da situação existente na Carreira de Auditoria da Receita Federal, onde a correlação entre as atividades dos cargos que a integram é patente.
De uma só vez, geral e indiscriminadamente, eliminou-se a possibilidade de progressão funcional entre cargos de uma mesma carreira. Não foram feitos os ajustes necessários nas carreiras afetadas. O que se deixou de fazer ? e deveria ter sido feito imediatamente ? é a reestruturação dessas carreiras. Cargos compatíveis entre si (mesma natureza ocupacional, atribuições similares) deveriam ser agrupados. Cargos incompatíveis entre si, por outro lado, deveriam ser separados, para formarem novas carreiras. Em qualquer caso, haveria a necessária extinção dos concursos públicos para cargos intermediários.
No caso da Carreira de Auditoria da Receita Federal, o que é possível fazer para torná-la coerente com a noção correta do termo ?carreira? adotada pelo STF ?
Basicamente, há de se acabar com a possibilidade de ingresso em cargos intermediários da carreira. Dessa forma, o ingresso na Carreira de Auditoria da Receita Federal, através de concurso público, ocorreria unicamente no que corresponde, hoje, à classe inicial de Técnico da Receita Federal. O servidor poderia, então, através de promoções (que estariam então viabilizadas), progredir até a classe final da Carreira de Auditoria. Com isso, haveria, finalmente, uma Carreira de Auditoria verdadeira.
1) ?Presume-se que a lei não contenha palavras supérfluas devem todas ser entendidas como escritas adrede para influir no sentido da frase respectiva? [op. cit, pág. 91]
?Verba cum effectu sunt accipienda: as leis não contém palavras inúteis." [op. cit. Pág. 204]
2) "Deve o direito ser interpretado inteligentemente não de modo que a ordem legal envolva um absurdo, prescreva inconveniências, vá ter a conclusões insubsistentes ou impossíveis. Também se prefere a exegese de que resulte eficiente providência legal ou válido o ato, à que torna aquela sem efeito, inócua, ou este, juridicamente nulo." [op. cit. , pág 136]
Dos ensinamentos de número 1, deveríamos interpretar a palavra ?carreira? (na expressão ?Carreira de Auditoria da Receita Federal ? art. 1º e outros) como não supérflua, ou seja, útil para influir no sentido do artigo. Em outras palavras, o termo ?carreira? não deveria estar ali sem um propósito.
Dos ensinamentos 2 e 3, devemos entender que o art. 3º da Lei nº 10.593/2002 não deveria fazer referência ao cargo intermediário da Carreira de Auditoria da Receita Federal. De acordo com o STF, em uma carreira verdadeira, não há possibilidade de ingresso em cargo intermediário. Assim, a lei de estruturação da Carreira Auditoria da Receita Federal deveria naturalmente ? em homenagem à correta utilização do termo ?carreira? ? excluir, excetuar, o ingresso em cargos intermediários de carreira.
A estrutura existente hoje torna a configuração de carreira absurda, inconveniente, insubsistente, impossível, inviável, inócua. Uma carreira assim concebida é qualquer coisa menos carreira.
Extinta a possibilidade de ingresso por concurso público em cargo intermediário, a classe imediatamente superior à última do atual cargo de Técnico da Receita Federal seria justamente a inicial do atual cargo intermediário da Carreira Auditoria, de modo a que estaria viabilizada a passagem entre essas classes, por promoção.
Divisão da Carreira Auditoria em classes de atribuições diferentes, mais complexas, à medida em que ocorram as promoções do servidor.
Lembrando-se o que disse o eminente Ministro Octávio Gallotti: ?Uma carreira, no serviço público, pode ter cargos de atribuições diferentes, geralmente mais complexas, à medida que se aproximam as classes finais?. Mais que essa faculdade, podemos dizer que isso é uma necessidade: o servidor deve ter estímulos ao seu desenvolvimento profissional.
Em nenhuma empresa, em lugar nenhum do mundo, seus administradores iriam contratar pessoal para ocupar posições de supervisão de serviços sem o requisito essencial da experiência anterior. Abrindo-se qualquer jornal, na página de classificados, dificilmente se encontrarão anúncios de vagas sem que se peça um mínimo de experiência anterior. Por mais singela que seja a vaga, sempre há essa preocupação. Seria considerada uma grande irresponsabilidade a negligência quanto a esse requisito.
No Serviço Público, ao contrário, não obstante a previsão constitucional do princípio da eficiência, as carreiras estão dispostas de maneira bastante desorganizada. O exemplo da Carreira de Auditoria da Receita Federal, não é o único.
O que ocorre na Carreira de Auditoria ? Ela é composta por dois cargos estanques, divididos, cada qual, em classes de atribuições exatamente iguais. Ou seja, o servidor ingressa em um cargo (TRF ou AFRF), e independente do tempo de serviço, permanece ao longo de toda sua vida profissional com exatamente as mesmas atribuições que tinha ao tempo do ingresso. O servidor é promovido, muda de classe, e suas atribuições não mudam. O agravante no caso da Carreira ARF é que é facultada a possibilidade de AFRFs recém-nomeados ? portanto, sem sequer conhecerem o serviço ? virem a supervisionar equipes de servidores muito mais experientes.
Por mais experiência e dedicação que os Técnicos tenham, jamais poderão, na configuração de carreira atual, ocupar os postos mais elevados na Carreira de Auditoria. Isso é fator de inestimável desestímulo, e desconforto moral. Algo extremamente prejudicial aos bons andamentos do serviço, sobretudo em consideração à rivalidade, e aos conflitos de competência existentes hoje entre os ocupantes dos cargos que integram a Carreira de Auditoria.
Embora imperfeitamente definidas as atribuições dos Técnicos, na prática, o que ocorre é uma profunda interpenetração, senão, em alguns casos, identidade absoluta entre as atribuições dos dois cargos (TRF e AFRF) que integram a Carreira de Auditoria (ARF). A diferença, normalmente, é apenas de grau.
Assim, competindo por espaços, há naturalmente antagonismo de interesses. Isso é especialmente prejudicial aos bons andamentos do serviço. Não se permite, por merecimento, e experiência, a comunicabilidade entre os cargos. Infindáveis conflitos administrativos são derivados desse modelo.
Se há necessidade de hierarquia, se os integrantes de cargos distintos detém atribuições similares entre si, de mesmo conteúdo ocupacional, em um mesmo âmbito de atuação, é imperioso que tais categorias sejam (re)organizadas em uma mesma carreira, sob o risco de haver graves conflitos relacionados a interesses corporativos, ou pior: profunda crise institucional ? que já é hoje existente na Receita Federal ? , em prejuízo do serviço e do interesse público.
As demais carreiras no Serviço Público Federal, em geral, apresentam os mesmos problemas. Então, muito mais interessante e oportuno do que tentar revigorar o instituto da ascensão funcional, que é a passagem entre carreiras diversas (ou seja, de naturezas diferentes entre si), é reorganizar as carreiras existentes, de modo a que as respectivas classes detenham atribuições mais complexas à medida em que o servidor seja promovido.
Assim, o servidor deve ingressar em uma carreira em sua classe inicial e obter desenvolvimento paulatino, e atribuições mais complexas, conforme adquira maiores conhecimentos e experiência no serviço. O servidor somente deve assumir os postos mais elevados, e as chefias, quando (e somente quando) adquirir sólida experiência. Isso, só se consegue com tempo de serviço, e dedicação. O esforço evolutivo dos servidores deve sempre ser premiado com seu verdadeiro desenvolvimento na carreira.
Administração Tributária
De maneira consentânea com os novos rumos da Administração Tributária, após a inserção do inciso XXII, no art. 37 da Constituição, que dá à Instituição melhores condições de bem cumprir seu papel constitucional, será muito interessante uma reestruturação ainda mais abrangente, que estabeleça sólidas bases para reformas de maiores amplitudes, como, por exemplo, a criação da tão comentada ?Receita Federal do Brasil?, ou ?Super-Receita?, como passou a ser chamada. Para isso, torna-se urgente a resolução de crônicos problemas da Carreira de Auditoria da Receita Federal: rivalidade entre os ocupantes dos cargos que a integram, indefinição dos respectivos campos de atuação, conflitos de competência etc.
Também será extremamente oportuna a elaboração de um estatuto, um regime jurídico, próprio, das carreiras que integram a Administração Tributária.
Conclusão :
Os cargos públicos necessitam ser agrupados de acordo com suas verdadeiras e naturais feições, tendo como elemento básico as respectivas atribuições. Os similares devem ser reunidos em uma mesma carreira. Deve haver rigidez conceitual quanto aos termos empregados na estruturação de carreiras. As noções de cargo, classe, quadro, carreira, grupo ocupacional, promoção, ascensão funcional etc devem ser sempre empregadas no mesmo sentido, e em consonância com os entendimentos do STF.
No caso da Carreira de Auditoria da Receita Federal, como visto, o termo ?carreira? não foi utilizado de maneira correta. De acordo com o STF, em uma carreira, não há possibilidade de ingresso em cargo intermediário. Se a opção fosse separar os cargos em duas carreiras distintas, haveria de se utilizar o termo ?carreira? para designar cada uma delas. Não foi feito. A reestruturação é recente. Ocorreu muito tempo depois de o STF fixar a noção de carreira. Então, o erro nesse sentido foi consciente, e merece reparo.
Os dois cargos apresentam todas as condições favoráveis de se situarem naturalmente em uma mesma carreira. O que é preciso é apenas considerar os atuais cargos de TRF e de AFRF como classes de uma mesma carreira, o que é plenamente possível, tendo em vista a similaridade entre as respectivas atribuições. Seria imprescindível a extinção dos concursos públicos para cargo intermediário, e, com isso, fixar um único momento de nomeação em cargo da carreira.
Não haveria necessidade de se alterarem as respectivas atribuições atuais dos cargos, quando muito, apenas alguns pequenos ajustes, para que a divisão por classes possa refletir as respectivas funções exercidas na prática. Conforme seu desenvolvimento, em cada passagem de uma classe para a outra, pela promoção, o servidor deve adquirir maiores responsabilidades, e atribuições mais complexas.
Em suma, para uma perfeita organização do serviço público, não há necessidade alguma de restabelecimento do hoje considerado inconstitucional instituto da ?ascensão funcional?. E é justo que assim o seja. A passagem entre cargos de carreiras verdadeiramente distintas deve mesmo ser evitada. Há de existir homogeneidade entre os cargos de carreira. Não se deve permitir passagem entre cargos que não tenham atribuições afins, ou correlatas. As carreiras devem ser organizadas de acordo com essa orientação.
O importante é que sejam muito bem definidos os cargos que devem estar separados daqueles que devem ser agrupados em carreiras, de acordo com as atividades exercidas (com base nas atribuições dos cargos). Se são da mesma natureza, afins, correlatos, similares, devem estar juntos. O fato de dois cargos terem sempre pertencido a um mesmo grupo ocupacional (TAF ? Tributação, Arrecadação e Fiscalização) já é um indício muito forte de que devam estar em uma mesma carreira.
Uma ampla reforma nos planos de carreira é mais do que urgente, para o estabelecimento de modelos perfeitos dessas estruturas, e em favor de um serviço público mais moderno, eficaz e eficiente. O servidor deve ingressar na classe inicial de uma carreira, e ser estimulado a buscar desenvolvimento, através da experiência acumulada, e pelo seu esforço pessoal.
Assim sendo, a reivindicação dos Técnicos da Carreira de Auditoria da Receita Federal é pela unidade da Carreira: fim dos concursos públicos para cargo intermediário, ingresso na classe inicial do atual cargo de Técnico da Receita Federal, por concurso público, e possibilidade de promoções até o topo da carreira. Promoções são essenciais para a correta configuração de uma carreira. O modelo de carreira defendido pelo SindiReceita é aquele que não contenha muitas classes, para que, em toda mudança de classe, por promoção, o servidor possa obter maiores responsabilidades, e atribuições mais complexas. Em qualquer situação, a paridade constitucional para aposentados e pensionistas deve ser respeitada.
Em anexo, alguns trechos de Votos de Ministros do STF sobre o tema deste boletim.